A cobertura de eleições – municipais, estaduais ou federal – representa um dos momentos mais delicados para o jornalista e para o veículo de comunicação. A cada pleito, o dilema se renova. Enquanto alguns profissionais da imprensa não resistem às ofertas polpudas e abandonam a redação rumo às campanhas dos candidatos, aqueles que ficam encontram o desafio de desenvolver um trabalho imune a interesses políticos e partidários. Cada palavra mal colocada pode levar a interpretações distintas e a supor que o veículo tenha saído em defesa de determinada candidatura. Se a imparcialidade absoluta não existe, cabe ao jornalista o distanciamento crítico para realizar um retrato equilibrado dos fatos e garantir ao público a liberdade de expressão.
Claro que tudo isso é muito bonito na teoria. Mas, nos rincões do Brasil, a era da imprensa panfletária e partidária parece não ter acabado. Meios de comunicação pertencentes a grupos políticos são usados como instrumento de propaganda ideológica, a serviço de interesses particulares. Em anos anteriores, não faltaram casos de emissoras punidas pela Justiça Eleitoral por terem dado espaço maior a um candidato ou a representantes de suas idéias. No entanto, trata-se de uma prática difícil de ser combatida, já que, muitas vezes, a abordagem tendenciosa aparece de forma velada. Nestas eleições de 2008, imagine quantos veículos de comunicação dos mais de 5 mil municípios brasileiros não resistiram à tentação de valorizar os objetivos particulares de forças políticas, em detrimento do interesse público...
No âmbito dos grandes grupos midiáticos, esta situação fica menos evidente. É inegável que a atividade de produção jornalística atingiu um grau de profissionalização capaz de filtrar excessos da cobertura. Um exemplo positivo foi o da TV Cultura de São Paulo. Apesar de ser uma emissora pública, dependente das verbas do governo estadual, seus telejornais e demais programas jornalísticos não saíram em defesa do candidato Gilberto Kassab, apoiado pelo governador José Serra. Pelo contrário, o público teve acesso a um registro contrabalançado das eleições na maior cidade brasileira.
Outra iniciativa importante ficou por conta dos debates realizados pelas grandes cadeias de televisão, que não se restringiram às principais capitais. Muitas emissoras do interior – como as afiliadas das tevês Globo e Record - seguiram a iniciativa da cabeça-de-rede. Eventos como este, de evidente valor democrático, ajudam a garantir o equilíbrio do trabalho jornalístico.
Lá fora, o dilema da imparcialidade da cobertura também está presente. Nos Estados Unidos, a rede de televisão Fox News é o símbolo máximo de como um veículo usa o jornalismo a serviço de idéias unilaterais. Ao longo da disputa entre John McCain e Barack Obama, âncoras e repórteres do canal noticioso se mostraram favoráveis à vitória do republicano. Não fizeram o mínimo esforço para disfarçar suas crenças políticas. Quando a eleição do democrata foi confirmada, a rede conservadora teve que amargar a derrota. Ou seja: credibilidade zero para uma TV que transmitiu notícias contaminadas por interesses alheios.
O jornalista, como qualquer ser humano, tem a sua opinião e deve saber expressá-la. O veículo de comunicação, representado pelo grupo proprietário, também. Mas tudo no lugar e na hora exatos. Para isso, existem formatos adequados, como os artigos e editoriais. Todo órgão de imprensa tem a obrigação de não deixar seus objetivos particulares ofuscarem o interesse público. É a única maneira de enfrentar o dilema ético que sempre surge em época de eleições.
Rafael Castro, 24 anos, jornalista.
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